01/10/2009

Lembranças que viram ficção...


Numa noite de Maio, há alguns anos, minha amiga Lúcia apareceu para uma visita. Juntas tomamos uma garrafa de vinho, que abriu a torneirinha das recordações e nos levou a falar sobre assuntos de que raramente nos lembramos. Embora não tivéssemos convivido na adolescência, ela em Araraquara, eu em São Paulo, descobrimos que tivemos muitas experiências em comum; livros, canções, sonhos e fantasias que eram os mesmos para tantas meninas que cresceram nos anos 70 do século 20. Naturalmente, quando meninas se encontram para falar de suas memórias de adolescência, temas como a descoberta do amor estão entre os mais importantes. E, entre outras coisas, contei a ela a história do Marco, o primeiro menino que me beijou.

Me lembro claramente de, tarde da noite, acompanhar a Lúcia até o elevador, ainda sob o efeito do vinho e das lembranças, e lhe dizer: “Me pergunto onde estará esse menino, agora. Imagino que tenha se tornado um cara certinho, casado, com filhos... quem sabe é engenheiro ou advogado.” Tantos e tantos anos e eu sequer pensava nesse menino... porque, justamente naquele momento, fui me lembrar dele, do seu nome, dos momentos breves mas tão significativos que havíamos passado juntos?
E justo na manhã seguinte abri o jornal e dei com uma notícia que me deixou desconcertada; uma notícia chocante que não posso dizer qual é, para não revelar o final do livro.

Mas, sob o impacto dessa notícia comecei a pensar; não conseguia tirar o fato da minha cabeça, quase como uma obsessão. Praticamente tudo o que eu acreditava então, aos treze anos, as escolhas que eu havia feito nos últimos 30 anos, começaram a ser repensadas à luz da realidade do novo milênio que, então, estava prestes a começar.. E senti uma profunda necessidade de escrever, para entender, ou para dar sentido ao que parecia não ter nenhum.

Durante meses, escrevi; á mão, em uma série de cadernos, e esta foi a primeira versão do que viria a ser o meu “Caneta Revólver”. A memória ia, pouco a pouco, se transmutando em ficção, onde eu incorporava experiências minhas e de outros; os personagens iam-se construindo, amalgamando elementos de tanta gente que, num momento ou outro, passou por minha vida. No decorrer desses meses, era como se eu estivesse incorporada de um “espírito da adolescência”, que me fazia agir e pensar, às vezes de forma meio estranha. E a história foi-se desenhando quase que por sí própria, como se eu não tivesse muito poder sobre ela. Na verdade, eu não escolhi escrever este livro; ele simplesmente se impôs.

Vários anos se passaram até que eu tivesse a coragem de levar este livro à publicação. Nesse tempo, ele entrou e saiu da gaveta diversas vezes e, a cada releitura eu o reeditava. Cortar o que foi escrito, sem dó nem piedade, eliminar as redundâncias, escolher apenas o que é essencial,é para mim uma das tarefas mais interessantes do escritor. Foi um custo dá-lo por terminado e, ainda agora, descubro detalhes que poderiam ser modificados. Mas, assim são os filhos: um dia eles nascem, e se tornam pessoas independentes de nós.

27/09/2009

Obrigada!!



A todos os que vieram, aos que ajudaram, aos que enviaram
mensagens, aos que compraram o livro, aos que pensaram em vir, aos que pensaram
em mim...

Foi muito bom. Agora é pensar na carreira do livro, de agora em diante... e tem muito trabalho pela frente!

Para
os que querem comprar meu livro: praticamente, não temos distribuição... um
problema das editoras pequenas. MAs vocês podem entrar em contato comigo pelo email mariliacb@gmail.com

22/09/2009

Caneta Revólver

"Este livro
Meu filho. Não é automatismo. Juro. É jazz do coração (...)"
(Ana Cristina César)

16/08/2009

Machado de Assis


Machado de Assis é talvez o mais obrigatório dos nossos autores. Faz parte da própria nacionalidade, da formação cultural mínima para o brasileiro, e cabe ao professor apresentá-lo aos seu alunos, tarefa que pode ser bastante ingrata quanto mais o tempo nos distancia do século XIX, e quanto menos o mestre o conhece e é capaz de amar.

Tive a grande sorte de ser apresentada à sua obra por um professor que sabia se colocar no lugar dos adolescentes e compreender o que, na obra do velho bruxo, tinha o potencial de incendiar a imaginação, seduzir-nos para um autor que, como as ostras, requer uma certa maturidade de paladar para ser saboreado. Aos catorze, não estamos ainda prontos para as casmurrices. O ciúme, a suspeita, são melhor apreciados por velhas almas calejadas, no desencanto dos dezessete, dezoito anos. Aos catorze somos ardentes, voláteis como relâmpagos e críticos tremendamente azedos: não nos venham com Iaiás ou Helenas pois vamos achar chaaaaaato e o risco é que para sempre ou por muitos anos Machado esteja irremediavelmente perdido para nós.

Mas o Zé Luís era danado. Éramos uma classe só de meninas, que começavam a descobrir o mundo. Rápidas, palhaças, engraçadas e dispersas como bolinhas de azougue, e ele sabia disso muito bem. Soube fisgar-nos com o anzol do humor fino, da ironia rascante d'O Alienista. Nada de pedir resumo, resenha, que amor não nasce da razão. Os capítulos foram lidos pouco a pouco, discutidos e dramatizados em classe. Não se tratava de dourar a pílula, fazer-nos engolir o remédio ruim disfarçado em chocolate, essa bobagem de “aprender brincando”, como se não fosse tudo parte de uma mesma coisa. Era acompanhar-nos num mergulho de cabeça na fina ironia, no fundo bem próximo ao dessa idade “inquieta e duvidosa”, preparando-nos para o amargor com o qual a vida estava prestes a nos confrontar, talvez aos quinze, talvez já. Dali saí pronta para o Brás Cubas, e estava feito: era amor, e foi pra sempre.


Amo essas edições em papel bíblia, pequenas, compactas, de letras pequenas mas bem legíveis, boas de levar pra cama, grandes companheiras em viagens. Um volumezinho com os romances; outro com todos os contos, e ainda o terceiro com poemas e crônicas. Machado de Assis fui descobrindo, principalmente, nas inúmeras releituras: nos vários momentos da vida, há algo que nos chama a atenção de maneira diferente. Estava lá, mas não víamos! Como era possível? O grande psicólogo; as filigranas do texto com suas diversas camadas, profundidades; o humor e a ironia; o amargor e a desesperança... e o que ainda há por descobrir. As crônicas são uma viagem no tempo, ao cotidiano do século XIX , mas que faz compreender o que é eterno e universal. Agora, abro uma página ao acaso (A semana, crônica 192) e leio:
“Qualquer de nós teria organizado este mundo melhor do que saiu”.
Pois não é?

Machado de Assis, Obra Completa - em três volumes - Aguilar, Rio de Janeiro, 1962. Ilustrações da época do autor.

02/08/2009

Os Anõezinhos

Entre os livros que havia na biblioteca infantil, os desta coleção estavam entre os meus preferidos. Ficava horas a fantasiar sobre a idéia de que houvesse pessoazinhas minúsculas vivendo no nosso jardim, e que eles usassem, transformados, os objetos descartados por nós. Acho que é um tema que fascina crianças de todos os tempos; curti também a “Polegarzinha” de Andersen e séries de TV como “Terra de Gigantes”. Volta e meia reaparecem outras variações, em livros, TV e cinema.


A casa dos anõezinhos era feita de uma velha botina com telhado de cartas de baralho; uma casca de banana servia como rinque de patinação. Cascas de noz viravam cestos, dedais eram baldes e botões, bandejas. A lavanderia ficava num bule de chá e um só morango dava para fazer muitas tortas, assadas em formas feitas de tampinhas de garrafa. Meu episódio preferido era quando eles entravam numa casa e faziam da pia do banheiro uma piscina.




Dos livros: Os Anõezinhos, A cidade dos Anõezinhos & Os Vizinhos dos Anõezinhos, por William Donahey, Ed Melhoramentos, São Paulo, s/d (c.1950)

14/07/2009

Bisbilhotecando 2



Nunca fui grande frequentadora de bibliotecas, até porque sempre tive o privilégio de ter, em casa e na livraria, tantos livros à disposição. Mas não significa que não as aprecie; boas bibliotecas são para mim um espaço fascinante onde as horas passam sem que me dê conta. Sou aquele tipo esquisito que passa batido pelas gavetinhas com os arquivos e fica perambulando pelas estantes, às vezes sentada no chão, fuçando, xeretando, deixando que os títulos me chamem, toquem, descubram. Em parte, devo isso à primeira bibliotecária da minha vida. Não me lembro seu nome mas ela me marcou para sempre, por ser sensível o bastante para reconhecer o desejo de uma pessoinha ainda muito pequena e ser capaz de lidar com as regras de maneira flexível e inteligente.

Aos cinco anos, eu não tinha me adaptado bem ao jardim de infância e mamãe, com duas crianças menores, não sabia o que fazer comigo. Como eu já lia fluentemente ela me levou à biblioteca infantil do bairro.
Era numa casa térrea com jardim e a primeira coisa que me chamou a atenção foi uma vitrine com fantoches; o teatro sempre teve o poder de me tocar em algo ancestral e profundo que levei anos pra entender o que era. A bibliotecária se sentava a uma mesa que ainda lembro como muito alta (eu é que era bem pequena...), cercada de estantes com livros por todos os lados, e perguntou minha idade. Me assustei ao ouvir que só crianças com mais de sete anos eram admitidas. Sete anos...! Uma eternidade. E eu que precisava estar ali com os fantoches e todos livros, imediatamente.

Mas mamãe disse as palavras mágicas: “Ela sabe ler.” A bibliotecária me olhou meio incrédula, apanhou uma ficha, disse: “lê”, e eu li. Algo admirada, fez minha inscrição. Passados 45 anos, ainda me emociono ao lembrar. Diferente da experiência frustrante do jardim da infância, ela me reconheceu como individualidade, aceitou o que eu tinha de especial e único e abriu as portas de seu mundo todo para mim. Mais importante que as regras eram os fatos; as portas da biblioteca estariam abertas para as crianças que soubessem ler. E conquistei o acesso a um lugar maravilhoso onde passei tantas horas encantadoras.
Como gostaria, que hoje, onde quer que estivesse, ela soubesse que nunca me esqueci. Antes do espaço, físico ou virtual, antes dos livros e computadores, minha biblioteca ideal é feita de bibliotecários sensíveis e conscientes do seu papel na disseminação da cultura e na formação dos seres humanos.

Fotos: Getty Images & portal das bibliotecas da Prefeitura de SP

02/07/2009

Bisbilhotecando


Fazer um blog é também buscar conexões, encontros, conversas. No meu passeio pela rede atrás de afinidades, me chamaram a atenção alguns blogues de bibliotecários, interessante descoberta sobre o que esta profissão representa atualmente. Vivemos na era da informação: poucas coisas hoje são tão valorizadas, discutidas e buscadas. Em contrapartida, a quantidade de informação disponível é avassaladora e cresce em progressão geométrica. Cada vez é mais difícil discernir o que pode ser relevante, necessário, importante ou confiável, e fácil perder-se num oceano de informação inútil, tendenciosa ou errônea.

Essa circunstância abre um espaço fabuloso para um tipo renovado de profissional que é, como os bibliotecários contemporâneos se definem, o arquiteto da informação. Gerenciar, direcionar e facilitar o seu fluxo e acesso nos mais diversos níveis, das crianças pequenas aos técnicos, do lazer à pesquisa científica. Organizar o espaço, virtual ou concreto, onde acontece o encontro com a informação, seja em portais, bibliotecas, centros culturais ou uma mistura de tudo isso é, hoje, fascinante e imprescindível. Mas quem realmente pode falar sobre isso com propriedade são eles mesmos: Extra Libris e Bibliotecários sem Fronteiras são dois blogs muito bons sobre o assunto.

Um post do BSF pedia que cada um respondesse sobre a sua biblioteca ideal. Gostei de ver quantas respostas vêm de encontro à biblioteca dos meus sonhos que, muito além de facilitar, prática e objetivamente, o encontro com a informação de que necessitamos, é um espaço de descoberta, encontros, prazer e liberdade. Um lugar que possibilite até que descubramos as coisas que ainda não sabemos que estamos procurando ou, mais interessante ainda, as que estão, por algum motivo misterioso, procurando por nós.

Imagem: Openbare Bibliotheek Amsterdam, por Pieter Musterd (em um post do Extra Libris)

21/06/2009

Persépolis

Nos últimos dez dias todo o mundo tem falado sobre o Irã: a fraude nas eleições, os protestos nas ruas e a violência contra os manifestantes, que chegou a fazer vários mortos. E como uma coisa leva à outra que leva à outra que leva à... acabei assistindo e me emocionando com o filme de animação Persépolis, baseado no livro de mesmo nome da iraniana Marjane Satrapi. E daí simplesmente tinha de ler o livro. Pedi anteontem, chegou ontem, e tenho esse defeito: quando um livro me pega não consigo largar até chegar ao final. Se é inevitável interromper a leitura, passo o dia com a história na cabeça, ansiosa para retomar. O ruim é que nem bem o livro chegou e já estou quase me despedindo dele.

Persépolis, relato autobiográfico em forma de história em quadrinhos, de uma menina que aos 14 anos precisa deixar seu país e sua família para viver sozinha na Europa por conta da repressão do governo fundamentalista. A formação de uma guerreira, combatente pela democracia. Sua arma é a mais frágil e delicada que existe e, ainda assim, de efeitos mais profundos do que a bomba de Hiroshima: palavras, histórias, imagens. Me lembrei que, quando vi meu sobrinho de 11 anos a ler o “Diário de Anne Frank”, me encantei ao sentir como as palavras de uma adolescente puderam ser tão poderosas e perdurar através das gerações. A obra de Marjane tem essa qualidade; provavelmente ficará também para sempre.




Persépolis foi publicado originalmente em 4 volumes, e cada um de seus capítulos conta uma história com começo, meio e fim. É delicioso. Seu senso de humor diante da tragédia é surpreendente e estimulante. Os desenhos são simples, num preto e branco cru e impactante, mas de grafismo refinado, cinematográfico, poderoso. Nunca imaginei que uma história em quadrinhos pudesse me comover desta maneira.

Para além da política e da História, embarcamos no relato de uma menina que, tornando-se mulher, descobre o mundo e nos envolve na sua ingenuidade e idealismo. Às vezes delicado, outras irônico, sutil, sarcástico, emocionante. Nos vemos como num espelho em seu relato engraçadíssimo das transformações do corpo na adolescência. Os primeiros amores, a primeira traição. Medos, angústias, inadequação, insegurança, vaidade e a incerteza quanto à própria identidade. E nos inspira por sua capacidade de, apesar de tudo, reinventar-se, amar a vida, ser criativa e acreditar. Por isso, Persépolis devia estar na cabeceira de todas as meninas. Certamente, poderão se identificar com ela. Como eu.

14/06/2009

National Geographic Atlas of The World - 7th edition


Sempre gostei de mapas, livros sobre viagens, sobre as culturas do mundo. Me lembro que um dia a escola pediu, entre os livros didáticos, um Atlas. Poucos, ou nenhum livro escolar me encantaram como este e, quando voltaram as aulas, eu já o havia folheado – e lido - inteirinho. Deitada no chão, me espalhava sobre as páginas, sobre o mundo: nos mapas políticos, os paisezinhos coloridos como num quebra-cabeças. Mapas físicos, fascinantes pois podia voar sobre as montanhas, mergulhar nos os rios e me perguntar que tipo de gente vivia nos litorais rendilhados, nos desertos imensos, no verde verde da floresta ou nas planícies furadinhas de lagos. Sem os óculos eu olhava de muito perto como se pudesse discernir, entre os pontinhos da retícula da impressão, uma outra dimensão além da nossa, onde uma menina miudíssima espiasse num mapa ainda mais pequeno, num sem fim de meninas e mapas, como o desenho na embalagem do fermento.

Um mapa com ícones pequeninos indicava os produtos de cada região: um peixinho, uma hastezinha de trigo, um boizinho, uma torrezinha de petróleo. E havia ainda toda aquela informação maravilhosa, bandeiras do mundo, climas, o sol, os planetas e a lua, que fazia tão pouco havia sido pisada pelos astronautas.

Hoje temos o Google Earth, que igualmente me fascina, realizando minha fantasia de menina, de me aproximar dos mapas num zoom e chegar até as casas, as praias, as ruas, até barcos no mar. E imaginar um futuro quando poderemos ver o movimento, as pessoas na ruas, leões nas savanas. Mas, para mim, um atlas de papel ainda é uma maravilha.

Comprar livros online foi uma das melhores coisas que a internet me trouxe. Especialmente livros importados, que costumavam ser caríssimos por aqui. Hoje, muitas vezes, mesmo contando com o preço da remessa, você paga o mesmo ou até menos do que o livro nacional. Sem falar nos até livros usados, às vezes mais baratos do que a própria postagem. E o prazer de esperar, semanas, e finalmente receber o pacote da livraria, com o cheiro característico das coisas que vêm de longe (o que será isso?) misturado com o dos livros, velhos ou novos. A alegria de um novo livro.

Esta é sétima edição do atlas da National Geographic, de 1999. Foi um dos primeiros livros que comprei online. Estava em oferta, talvez porque outra edição estivesse para sair; não sei dizer hoje quanto custou, mas era irrecusável. Demorou porque, como sempre, pedi a remessa mais barata. E quando chegou tive de buscá-lo na agência do correio, pois o carteiro não traz pacotes tão grandes. O que mais me lembro é caminhar pela rua com aquele pacote enorme, olhando para o sorriso estampado na embalagem da Amazon, e pensando em como é boa aquela idéia: minha cara de felicidade devia estar igualzinha.




Folheio novamente o Atlas para escrever este texto. É enorme, pesado, até um pouco desajeitado. Talvez esteja mesmo ficando obsoleto. Mas há uma aura mágica nas coisas obsoletas, como candelabros, vitrolas, câmeras que fotografam com filme. Revejo as lindas ilustrações baseadas em imagens de satélite e a Terra, vista de fora e por dentro, com seu coração incandescente. Confiro aquelas informações de que talvez nunca venhamos precisar, todas ali juntas: qual o lugar mais quente, a montanha mais alta, o mar mais profundo, quantos quilômetros há entre Moscou e Nova Déli? Você sabe como é bonita a bandeira de Palau?

Sim, todas essas respostas e outras tantas mais podem ser encontradas facilmente na internet. Talvez eu mesma esteja ficando obsoleta, não sei. Mas já ouvi dizer que nosso cérebro é analógico, não digital. Então, vou ficando com o meu atlas; seu peso, o cheiro e o som das páginas sendo viradas me levam a viajar por terras distantes.

10/06/2009

Durante mais de quinze anos fui livreira.

Específicamente, livreira-antiquária ou alfarrabista, sócia de minha avó Zelina numa pequena loja de livros raros e esgotados. Chamava-se Leart e foi fundada por meus avós nos anos 1970, início da minha adolescência. Mais tarde, recém separada e pouco depois da morte de meu avô, fui trabalhar com vovó garimpando raridades bibliográficas, primeiras edições de literatura brasileira e estrangeira, livros de arte e outras preciosidades. Pelo menos uma vez por ano publicávamos um catálogo, bastante disputado pelos bibliófilos. E foi justamente para fazer esse catálogo que, por volta de 1990, comprei o meu primeiro computador: um XT de tela escura e letras verdes, e que usava floppy disks (alguém lembra?) Foi destrinchando os seus mistérios que comecei a me encantar, definitivamente, com a informática.


Foto: Nadia Cerini

Quinze anos entre livros e gatos, um trabalho adorável e que permitia me dedicar, sempre havia oportunidade, a outra das minhas paixões: o teatro (essa também é outra história). Mas já neste milênio vovó, chegando aos 90 anos, decidiu se aposentar; eu acabei optando pela Psicologia, área onde hoje consigo integrar meus interessesr multifacetados (sempre fui muitimídia) num projeto terapêutico. Vovó é encadernadora e manteve sua pequena oficina enquanto a artrite lhe permitiu trabalhar com as mãos. Foi ali que, muito cedo, nasceu minha afinidade com o trabalho manual que, depois de muitas idas, vindas e reviravoltas, iria se transformar em opção pelas técnicas expressivas e Arteterapia.

Durante esses anos todos muitos livros maravilhosos passaram por nós; alguns ficaram, mas a maioria – é esta a sina do livreiro – foi vendida. Quantos livros encontraram seu caminho até as pessoas que os amavam através das nossas mãos! Cheguei a fazer uma belíssima coleção de livros para crianças, que acabou se tornando um catálogo temático muito especial. Foi a venda da maior parte dessa coleção que me permitiu viajar para a Inglaterra e fazer um curso de especialização em Dramaterapia.

Mas ouros tantos livros ficaram, formando uma biblioteca que às vezes espanta algumas pessoas que vêm à minha casa (mas você leu tudo isso!?), dá um trabalho desgraçado na hora de fazer uma mudança e um prazer imenso em olhar as lombadas todas alinhadas formando uma parede colorida de histórias, relatos, reflexões, lembranças, sonhos, que são a origem e serão a matéria deste blog.

07/06/2009

Nasci e cresci entre livros.

Em nossa casa boa parte das paredes era ocupada por estantes, do teto ao chão. Aprendi a ler sozinha e bastante cedo, talvez ajudada pelo fato de ser muito míope e sentir uma especial atração por coisas miúdas como formigas e letras, que eu enxergava melhor que todo mundo. Lembro claramente da primeira palavra que li: “delícia”, num anúncio de margarina. A partir daí me tornei uma devoradora de textos, saboreando palavras, histórias, descobertas, aventuras...(mas nunca gostei de margarina). Mamãe me deu livros e um espaço na estante: as prateleiras de baixo. E descobri que eu cabia direitinho ali dentro; de um lado colocava meus livros e no outro me deitava, com uma fruta ou pacote de biscoitos, completamente aconchegada no mundo dos livros onde me perdia a perdia noção do tempo. Chamada, não ouvia: o planeta podia parar de girar que eu não me daria conta.

Em casa não havia preconceito quanto ao tipo de leitura. Numa época em que histórias em quadrinhos (gibis, a gente chamava) eram meio demonizadas, eu tinha pilhas de Luluzinhas e Bolinhas, meus preferidos. Disney só veio mais tarde. Herdei a coleção de Monteiro Lobato que fora de minha mãe, encadernada em percalina marrom, com um aroma inconfundível e as figuras todas coloridas à mão por ela. Mas, publicada durante a Segunda Guerra, tempo de racionamento, era de um papel de péssima qualidade e acabou se desfazendo nas mãos desta leitora muito ávida e algo desajeitada. Mais tarde, eu ganharia uma toda minha, mas isso “é uma outra história, que fica para uma outra vez”

ia se chamar "silirama"...




Mas o Luís achou que o título do meu livro, "Caneta Revólver", era bem melhor. Tive de concordar.

06/06/2009

Este blog

Durante quase 2 anos (2001/2002) tive um blog. Quando isso era novidade, qualquer assunto era assunto, até a falta de assunto. Muita gente acompanhou, por exemplo, o "Pão com Manteiga na Chapa", cujo único tema era esse: pão com manteiga na chapa. Mas quando deixou de ser novidade, foi ficando repetitivo, perdeu a graça. Quem não tinha assunto, tema (ou falava de coisas muito pessoais, como eu), foi saindo.

Ficaram principalmente blogs de profissionais de comunicação, gente especializada em transformar o cotidiano em assunto. Desses, eu ainda acompanho Internetc , e o Querido Leitor. De vez em quando também dou uma passada no Drops da Fal (que não é jornalista, não tem um "tema" específico, o visual é uma bagunça, mas a mulher escreve bem pa-ca-ce-te!!). E só.

Ficou o gosto pela coisa: o desafio de escrever e publicar diariamente. Em varios momentos fiz algumas tentativas, como dá pra ver pelos posts mais antigos deste blog mesmo. Mas a falta de assunto era fatal. Um dia encontrei o especialíssimo Come-se, onde a nutricionista Neide Rigo fala sobre comida de um jeito genial, e fiquei querendo ter, como ela, um tema pra chamar de meu.

Agora que estou prestes a publicar meu primeiro livro, o desejo de retomar esse compromisso com a escrita diária ficou maior. Ontem, lendo este texto da Cora, fiquei pensando: será que, como alguns dizem, os livros em papel estão mesmo em vias de extinção? Como ela, creio que não, e penso que essa idéia só pode vir de alguém que nunca desenvolveu uma relação afetiva com os livros.

O que a gente observa é que, enquanto a indústria fonográfica está tremendo nas bases com o surgimento das mídias digitais, a editorial vai muito bem obrigada. Até manuais de software, que podem ser facilmente encontrados online e de graça, são publicados em papel e têm mercado. E com as novas tecnologias ficou mais fácil e barato produzir livros on demand. Parece que, mesmo com essa nova geração de leitores digitais, ainda não surgiu um meio que substitua com vantagens o bom e velho livro.

E acho que, mesmo se – e quando – isso acontecer, ainda restará espaço para o livro, mesmo que seja só como objeto de arte.

Pensando em tudo isto, meu tema surgiu naturalmente. E (re)nasceu este blog, que agora é sobre livros. Feito à mão.