01/10/2009

Lembranças que viram ficção...


Numa noite de Maio, há alguns anos, minha amiga Lúcia apareceu para uma visita. Juntas tomamos uma garrafa de vinho, que abriu a torneirinha das recordações e nos levou a falar sobre assuntos de que raramente nos lembramos. Embora não tivéssemos convivido na adolescência, ela em Araraquara, eu em São Paulo, descobrimos que tivemos muitas experiências em comum; livros, canções, sonhos e fantasias que eram os mesmos para tantas meninas que cresceram nos anos 70 do século 20. Naturalmente, quando meninas se encontram para falar de suas memórias de adolescência, temas como a descoberta do amor estão entre os mais importantes. E, entre outras coisas, contei a ela a história do Marco, o primeiro menino que me beijou.

Me lembro claramente de, tarde da noite, acompanhar a Lúcia até o elevador, ainda sob o efeito do vinho e das lembranças, e lhe dizer: “Me pergunto onde estará esse menino, agora. Imagino que tenha se tornado um cara certinho, casado, com filhos... quem sabe é engenheiro ou advogado.” Tantos e tantos anos e eu sequer pensava nesse menino... porque, justamente naquele momento, fui me lembrar dele, do seu nome, dos momentos breves mas tão significativos que havíamos passado juntos?
E justo na manhã seguinte abri o jornal e dei com uma notícia que me deixou desconcertada; uma notícia chocante que não posso dizer qual é, para não revelar o final do livro.

Mas, sob o impacto dessa notícia comecei a pensar; não conseguia tirar o fato da minha cabeça, quase como uma obsessão. Praticamente tudo o que eu acreditava então, aos treze anos, as escolhas que eu havia feito nos últimos 30 anos, começaram a ser repensadas à luz da realidade do novo milênio que, então, estava prestes a começar.. E senti uma profunda necessidade de escrever, para entender, ou para dar sentido ao que parecia não ter nenhum.

Durante meses, escrevi; á mão, em uma série de cadernos, e esta foi a primeira versão do que viria a ser o meu “Caneta Revólver”. A memória ia, pouco a pouco, se transmutando em ficção, onde eu incorporava experiências minhas e de outros; os personagens iam-se construindo, amalgamando elementos de tanta gente que, num momento ou outro, passou por minha vida. No decorrer desses meses, era como se eu estivesse incorporada de um “espírito da adolescência”, que me fazia agir e pensar, às vezes de forma meio estranha. E a história foi-se desenhando quase que por sí própria, como se eu não tivesse muito poder sobre ela. Na verdade, eu não escolhi escrever este livro; ele simplesmente se impôs.

Vários anos se passaram até que eu tivesse a coragem de levar este livro à publicação. Nesse tempo, ele entrou e saiu da gaveta diversas vezes e, a cada releitura eu o reeditava. Cortar o que foi escrito, sem dó nem piedade, eliminar as redundâncias, escolher apenas o que é essencial,é para mim uma das tarefas mais interessantes do escritor. Foi um custo dá-lo por terminado e, ainda agora, descubro detalhes que poderiam ser modificados. Mas, assim são os filhos: um dia eles nascem, e se tornam pessoas independentes de nós.