14/07/2009

Bisbilhotecando 2



Nunca fui grande frequentadora de bibliotecas, até porque sempre tive o privilégio de ter, em casa e na livraria, tantos livros à disposição. Mas não significa que não as aprecie; boas bibliotecas são para mim um espaço fascinante onde as horas passam sem que me dê conta. Sou aquele tipo esquisito que passa batido pelas gavetinhas com os arquivos e fica perambulando pelas estantes, às vezes sentada no chão, fuçando, xeretando, deixando que os títulos me chamem, toquem, descubram. Em parte, devo isso à primeira bibliotecária da minha vida. Não me lembro seu nome mas ela me marcou para sempre, por ser sensível o bastante para reconhecer o desejo de uma pessoinha ainda muito pequena e ser capaz de lidar com as regras de maneira flexível e inteligente.

Aos cinco anos, eu não tinha me adaptado bem ao jardim de infância e mamãe, com duas crianças menores, não sabia o que fazer comigo. Como eu já lia fluentemente ela me levou à biblioteca infantil do bairro.
Era numa casa térrea com jardim e a primeira coisa que me chamou a atenção foi uma vitrine com fantoches; o teatro sempre teve o poder de me tocar em algo ancestral e profundo que levei anos pra entender o que era. A bibliotecária se sentava a uma mesa que ainda lembro como muito alta (eu é que era bem pequena...), cercada de estantes com livros por todos os lados, e perguntou minha idade. Me assustei ao ouvir que só crianças com mais de sete anos eram admitidas. Sete anos...! Uma eternidade. E eu que precisava estar ali com os fantoches e todos livros, imediatamente.

Mas mamãe disse as palavras mágicas: “Ela sabe ler.” A bibliotecária me olhou meio incrédula, apanhou uma ficha, disse: “lê”, e eu li. Algo admirada, fez minha inscrição. Passados 45 anos, ainda me emociono ao lembrar. Diferente da experiência frustrante do jardim da infância, ela me reconheceu como individualidade, aceitou o que eu tinha de especial e único e abriu as portas de seu mundo todo para mim. Mais importante que as regras eram os fatos; as portas da biblioteca estariam abertas para as crianças que soubessem ler. E conquistei o acesso a um lugar maravilhoso onde passei tantas horas encantadoras.
Como gostaria, que hoje, onde quer que estivesse, ela soubesse que nunca me esqueci. Antes do espaço, físico ou virtual, antes dos livros e computadores, minha biblioteca ideal é feita de bibliotecários sensíveis e conscientes do seu papel na disseminação da cultura e na formação dos seres humanos.

Fotos: Getty Images & portal das bibliotecas da Prefeitura de SP

02/07/2009

Bisbilhotecando


Fazer um blog é também buscar conexões, encontros, conversas. No meu passeio pela rede atrás de afinidades, me chamaram a atenção alguns blogues de bibliotecários, interessante descoberta sobre o que esta profissão representa atualmente. Vivemos na era da informação: poucas coisas hoje são tão valorizadas, discutidas e buscadas. Em contrapartida, a quantidade de informação disponível é avassaladora e cresce em progressão geométrica. Cada vez é mais difícil discernir o que pode ser relevante, necessário, importante ou confiável, e fácil perder-se num oceano de informação inútil, tendenciosa ou errônea.

Essa circunstância abre um espaço fabuloso para um tipo renovado de profissional que é, como os bibliotecários contemporâneos se definem, o arquiteto da informação. Gerenciar, direcionar e facilitar o seu fluxo e acesso nos mais diversos níveis, das crianças pequenas aos técnicos, do lazer à pesquisa científica. Organizar o espaço, virtual ou concreto, onde acontece o encontro com a informação, seja em portais, bibliotecas, centros culturais ou uma mistura de tudo isso é, hoje, fascinante e imprescindível. Mas quem realmente pode falar sobre isso com propriedade são eles mesmos: Extra Libris e Bibliotecários sem Fronteiras são dois blogs muito bons sobre o assunto.

Um post do BSF pedia que cada um respondesse sobre a sua biblioteca ideal. Gostei de ver quantas respostas vêm de encontro à biblioteca dos meus sonhos que, muito além de facilitar, prática e objetivamente, o encontro com a informação de que necessitamos, é um espaço de descoberta, encontros, prazer e liberdade. Um lugar que possibilite até que descubramos as coisas que ainda não sabemos que estamos procurando ou, mais interessante ainda, as que estão, por algum motivo misterioso, procurando por nós.

Imagem: Openbare Bibliotheek Amsterdam, por Pieter Musterd (em um post do Extra Libris)