01/05/2012

Paparazzi de Deus



Hoje, na missa na igreja de São Bento, enquanto eu seguia à risca as instruções sobre não fotografar, dezenas de pessoas piscavam os flashes de suas câmeras, celulares e tablets e ninguém fazia nada. Depois que terminou, já que a bagunça estava instalada mesmo, achei que não faria mal tirar algumas fotos do vitral, até porque fotografo sem flash. Enquanto usei o banco como apoio para a foto não sair muito tremida, ninguém disse nada mas, quando levantei a câmera ao nível dos olhos para ver as fotos que havia feito, me apareceu uma baixota gordinha e seguiu-se o seguinte diálogo:


– Não pode tirar foto.

– Mas todo mundo está fotografando. 

– Mas não pode.

– Todo mundo está fotografando, filmando, e vai sobrar pra mim?

– Sei que está todo mundo fotografando, estou até suando.

– ?

– Um dia, daqui há muito anos, isso vai desaparecer, as pessoas não vão mais ter esse lugar para ver porque você fotografou.

– Mas eu estou fotografando SEM FLASH!

– Não faz diferença.

– Então você é daquela tribo que acredita que a fotografia rouba a alma das pessoas e das coisas?

– ?

Aponto a câmera pra ela, clico.

– Pronto, roubei a sua alma. Agora você também vai desaparecer. Tchau.




(A foto da alma da gordinha saiu assim, num tom marrom-cocô)

15/10/2011




Na Bento Freitas
putinhas pobres, de guarda-chuva.
cheiro de mijo.


Ô, dó!



(foto: Giulietta Massina em Noites de Cabíria, de Fellini)

16/09/2011

Neste dia em 2010


No pique, no pique, descendo a Augusta, sentido bas-fond. 



Barzinhos descolados imitam neons de inferninhos que tresandam a eucalipto.


Em frente ao sex shop, menininha passa de bike da Barbie. 


Vitrine: baby dollzinho combinando com as algemas.


Pelúcia.

01/05/2011

Veiera, 2

Na Paulista com a Augusta, o Hare Krishna me aborda:

– Este livro é para você, conhecer a nossa filosofia...

– Hare Krishna, caramba!

– ?

– O que está acontecendo com os Hare Krishna?

– ?!

– A primeira coisa que você tem de me dizer é...?
 – ...?

– Hare Krishna... Hare Krishna, meu!

–  Hare Krishna?

– Que decadência! Um Hare Krishna que não dança, não canta, não tem incenso e não me dá nem a droga de um Hare Krishna?

–  Hare Krishna!

– Bom. Hare Krishna pra você também.

– E este livro...
– Nada! Você me dá um Hare Krishna de segunda mão e ainda vem me vender livrinho?!

Esse mundo, cada vez mais perdido.

Anjo

se nem o amor pôde prender o coração
como querer atar as tuas mãos?

nada a declarar
eu te escolhi
quis começar

sequer me leve pra casa
a idade me ensinou
a enfrentar o amanhecer

talvez suave nasça
o sol

já nem importa

se a voz da luz disser
e repetir:
foi um pecado

tudo bem
assim eu quis
se a noite nos rendeu
te juro
não será esse brilho a me cegar

só diz:
meu anjo

me chama de teu anjo da manhã
toca o meu rosto antes de ir

meu bem

e vai embora
de mim
bem devagar


anjo, me diz
teu anjo da manhã


talvez suave o sol
bem devagar
irá secar


(Tradução muito livre da canção "Angel of the Morning" de Chip Taylor)

30/04/2011

Veiera

Na loja da Levi’s

– Quero uma Levi’s 505
– ?
– Igual a esta que estou usando.
– Ah, mas esse modelo está saindo de linha.
– Vc está me dizendo que a Levi’s não vai mais fazer calça Levi’s?
– ????
– Me mostra o que tiver de mais parecido.
– Nós temos com esta lavagem, com esta, com esta...
– Lavagem não precisa, pode deixar que eu mesma lavo.

Button fly, então, ela nunca ouviu falar.
Puta que o pariu, este mundo está mesmo perdido.

Ma & Mazinha, Terror das Formiguinhas

Um do últimos virais que apareceram no Facebook foi video o de um menininho chorando porque seu irmão havia matado a formiguinha “dele”. Questiono a atitude da mãe - que em vez de abraçar o coitadinho e consola-lo, ficou gravando o desespero da criança para por no Youtube, mas me lembrei de uma história parecida que - dizem - aconteceu comigo:

Marilinha:- (uns 3 anos, aos prantos):- Mamãe, mamãe, a Marcinha matou todas as formigunhas!

Mamãe:- Mas que menina boazinha, que bons sentimentos! Com tanta pena da pobre formiguinha!

Marilinha:- E não deixou nenhuma  pra eu matar, buááá buááá...

13/04/2011

Sobre Homens

Meninas:
Podem parar de me encaminhar essas mensagens com velhas piadas sobre os homens.
Quem viu uma, viu todas.
E não acho a menor graça.

Eu, gosto muito dos homens!
Dos meus irmãos, sobrinhos, afilhados, amigos, namorados, ex-namorados, colegas....
Gosto como são, com qualidades e defeitos. Acho mesmo uma graça imensa nas pequenas idiossincrasias masculinas que tanto irritam as que escrevem essas piadas.

Gosto de homens que gostam de mulheres e de homens que gostam de homens.

Gosto e tenho certeza de que os únicos lugares onde os homens são todos iguais são a Declaração dos Direitos Humanos e a Lei.
Cada homem é único. Cada homem é um universo.

Cada homem que amei representou, naquele momento, um pedaço de minha alma masculina, que é quem me faz criar, compreender, conquistar, vencer o dragão para ser mais do que uma donzela em apuros, muito mais.

É isso. Minha alma é homem. Como poderia não gostar?

Vejo – não em vocês, amigas, mas nas autoras dessas piadas – uma grande tristeza, amargura e insatisfação imensas. Se queixam tanto por coisas tão pequenas como um pé de meia fora do lugar, uma toalha... ora, uma toalha!

O que é uma toalha largada diante da alegria e exuberância do desejo masculino?
O olhar de um homem tem o poder de iluminar uma mulher por dentro e faze-la brilhar. Toda mulher sabe como, às vezes, a cantada mais tola, dita por um desconhecido, pode encher de sol um dia escuro.

Essas mulheres tristes, que inventam piadas rancorosas numa vingança boba contra antigas piadas machistas que já não tem razão de ser, difamam seus maridos, seus amantes, seus filhos e seus pais.

A elas eu deixo a pergunta:

Se não gostam dos homens, porque querem tanto ter um?

10/06/2010

Macarrão com Melancia



O palco onde tocaram as bandas na festa do castelo da Mombassa, em 1977, foi feito à mão. Durante vários fins-de-semana, uma molecada seguia em caravana para participar da construção no sítio do Cláudio Prado. Ele havia “encontrado” uns postes de madeira, que precisaram ser arrastados de jipe e montados como um grande jogo de armar com a ajuda do jipão véío. Trabalho pesado e que só mesmo a energia adolescente e a antecipação de uma festa seria capaz de realizar com tanta alegria.

Cláudio morava nesse sítio com vários filhos, muitos cachorros e alguns malucos num esquema de comunidade. Durante esses fins-de-semana se juntava a eles o nosso bando e outros amigos. Além da montagem do palco era preciso produzir o evento,  documentá-lo e cuidar da vida. Eu gostava de ficar responsável pela criançada, contando histórias e inventando brincadeiras. Mas nesse cuidar da vida o mais importante era a comida.

Entre os moradores do sítio havia um que ocupava o posto de cozinheiro, o que também era uma forma de escapar do trabalho pesado. Cozinheiro macrobiótico. Pilotando um fogão o cara não era lá essas coisas; o negócio dele era mesmo viajar num baseado. Até que o pão integral era gostosinho, mas de resto era “café” de cevada com rapadura e um famigerado macarrão com melancia. Macrobióticos tem quizila com tomate. De acordo com a filosofia deles, é um veneno.  Então, pra fazer macarronada com molho vermelho, surgiu a idéia de usar a popular - e baratíssima - melancia.

Os pedaços de melancia ficavam horas fervendo em panelões, formando um caldo vermelho  - lindo mas, cozida, a fibra da fruta se transformava numas pelotas paposas que eram batidas no liquidificador. O gosto era estranho, mas o pior era a sensação de comer uma coisa falsificada; a aparência diz “tomate” e quando se põe na boca... decepção. Melancia cozida não cai bem no estômago e aquele bando de adolescentes pegando pesado tinha fome era de proteína.

Na época eu namorava o Fernandão que, descendente de espanhol e italiano, tinha os dois pés - e as mãos - na cozinha.  Uma manhã, entramos na cozinha durante a preparação do almoço. Faltou dizer que além de chapado o mestre macrô era surdo. Bem surdo. E demos de cara com a seguinte cena:
Ele tinha enchido o liquidificador com a papa de melancia, ligado e dado as costas para a bancada.   Com o movimento e a pressão a tampa pulou. Não notando que o som havia mudado ficou lá, tranquilamente, bem absorto no que estava fazendo. O liquidificador girava a mil e o molho quente espirrava para todos os lados e escorria, teto, paredes, panos panelas, tudo lambuzado de vermelho.

Nós é que não íamos entrar... ficamos  naquela situação de gritar para um surdo até que o Fernandão jogou alguma coisa nas costas dele. E como rimos enquanto o cara corria pra desligar o bicho, escorregando nas poças de melancia, o molho esguichando na cara!

Na semana seguinte, passamos a fazer uma vaquinha com a moçada. Passávamos por uma padoca no caminho pra comprar uma batelada de franguinhos com farofa. No começo o macrô enfezou um pouco com os gordurosos pacotes de cadaverzinhos grelhados e aromáticos na sua cozinha absolutamente vegetal mas rapidinho se conformou. Valia a pena não ter que cozinhar pra aquele batalhão e ainda arriscar um banho de melancia fervendo...  e não duvido que, na larica, tenha disfarçadamente atacado uma asa, uma coxinha.

Fernando e eu tomamos posse da cozinha nos fins-de-semana e os frangos passaram ser acompanhados de bolinhos fritos  de arroz integral, cebola e tudo o que pudéssemos conseguir. E assim nasceu a fabulosa receita de bolinhos de arroz integral com cenoura e curry.

(Foto: Saldanha Mujica)