10/06/2010

Macarrão com Melancia



O palco onde tocaram as bandas na festa do castelo da Mombassa, em 1977, foi feito à mão. Durante vários fins-de-semana, uma molecada seguia em caravana para participar da construção no sítio do Cláudio Prado. Ele havia “encontrado” uns postes de madeira, que precisaram ser arrastados de jipe e montados como um grande jogo de armar com a ajuda do jipão véío. Trabalho pesado e que só mesmo a energia adolescente e a antecipação de uma festa seria capaz de realizar com tanta alegria.

Cláudio morava nesse sítio com vários filhos, muitos cachorros e alguns malucos num esquema de comunidade. Durante esses fins-de-semana se juntava a eles o nosso bando e outros amigos. Além da montagem do palco era preciso produzir o evento,  documentá-lo e cuidar da vida. Eu gostava de ficar responsável pela criançada, contando histórias e inventando brincadeiras. Mas nesse cuidar da vida o mais importante era a comida.

Entre os moradores do sítio havia um que ocupava o posto de cozinheiro, o que também era uma forma de escapar do trabalho pesado. Cozinheiro macrobiótico. Pilotando um fogão o cara não era lá essas coisas; o negócio dele era mesmo viajar num baseado. Até que o pão integral era gostosinho, mas de resto era “café” de cevada com rapadura e um famigerado macarrão com melancia. Macrobióticos tem quizila com tomate. De acordo com a filosofia deles, é um veneno.  Então, pra fazer macarronada com molho vermelho, surgiu a idéia de usar a popular - e baratíssima - melancia.

Os pedaços de melancia ficavam horas fervendo em panelões, formando um caldo vermelho  - lindo mas, cozida, a fibra da fruta se transformava numas pelotas paposas que eram batidas no liquidificador. O gosto era estranho, mas o pior era a sensação de comer uma coisa falsificada; a aparência diz “tomate” e quando se põe na boca... decepção. Melancia cozida não cai bem no estômago e aquele bando de adolescentes pegando pesado tinha fome era de proteína.

Na época eu namorava o Fernandão que, descendente de espanhol e italiano, tinha os dois pés - e as mãos - na cozinha.  Uma manhã, entramos na cozinha durante a preparação do almoço. Faltou dizer que além de chapado o mestre macrô era surdo. Bem surdo. E demos de cara com a seguinte cena:
Ele tinha enchido o liquidificador com a papa de melancia, ligado e dado as costas para a bancada.   Com o movimento e a pressão a tampa pulou. Não notando que o som havia mudado ficou lá, tranquilamente, bem absorto no que estava fazendo. O liquidificador girava a mil e o molho quente espirrava para todos os lados e escorria, teto, paredes, panos panelas, tudo lambuzado de vermelho.

Nós é que não íamos entrar... ficamos  naquela situação de gritar para um surdo até que o Fernandão jogou alguma coisa nas costas dele. E como rimos enquanto o cara corria pra desligar o bicho, escorregando nas poças de melancia, o molho esguichando na cara!

Na semana seguinte, passamos a fazer uma vaquinha com a moçada. Passávamos por uma padoca no caminho pra comprar uma batelada de franguinhos com farofa. No começo o macrô enfezou um pouco com os gordurosos pacotes de cadaverzinhos grelhados e aromáticos na sua cozinha absolutamente vegetal mas rapidinho se conformou. Valia a pena não ter que cozinhar pra aquele batalhão e ainda arriscar um banho de melancia fervendo...  e não duvido que, na larica, tenha disfarçadamente atacado uma asa, uma coxinha.

Fernando e eu tomamos posse da cozinha nos fins-de-semana e os frangos passaram ser acompanhados de bolinhos fritos  de arroz integral, cebola e tudo o que pudéssemos conseguir. E assim nasceu a fabulosa receita de bolinhos de arroz integral com cenoura e curry.

(Foto: Saldanha Mujica)

Nenhum comentário: